Edição &etc de 2001
Tradução de Rui Caeiro

Os surrealistas eram fascinados pelo crime. Como de Quincey, eles estavam inclinados a fazer dele uma das belas artes. Na mitologia do crime, o serial killer, real ou imaginário, ocupa um lugar especial. A ficção ainda lhe dá um lugar de destaque. Como o louco, ou o histérico, o serial killer traz à tona violentamente uma parte assustadora do humano. Incompreensível, excepto para aqueles que dedicam sua vida a compreender o incompreensível, a explicar o inexplicável: o psiquiatra, o psicanalista, o criminólogo.
Em 1928, Robert Desnos escreveu para o jornal Paris-Matinal uma série de artigos sobre Jack, o Estripador. Todos o conhecem, é o assassino por antonomásia. O assassino de mulheres, o esfolador. Entrou na lenda tanto pelo horror dos seus crimes quanto pela sua impunidade. Nunca tendo sido desmascarado, continua a ser uma das figuras do mal impune.
Nos seus artigos, Robert Desnos descreve os factos sem se debruçar sobre as vítimas. São mulheres, pobres, desdentadas, prostitutas, já perdidas. A sua tortura fê-las entrar na lenda, tal como o seu assassino. Sem ele, ninguém se lembraria delas, pois ninguém se importava na época. O que interessa a Desnos na sua evocação de Jack, o Estripador, é sobretudo a Londres do final do século XIX, que em 1928, quando os artigos foram escritos, ainda não tem nada de exótico historicamente. Desnos convoca a Paris de Eugène Sue em paralelo. A noite, o crepúsculo, o sangue vermelho no pavimento brilhante formam um pano de fundo irreal e misterioso, um verdadeiro décor surrealista