Vítor Manuel de Aguiar e Silva - Camões: Labirintos e Fascínios
Edição Cotovia de 1994

Nos ensaios camonianos coligidos neste livro, escritos ao longo de um quarto de século, avultam duas orientações e preocupações fundamentais: uma orientação e uma preocupação filológicas e uma orientação e uma preocupação hermenêuticas.

Em relação ao conhecimento da obra lírica de Camões, há uma operação filológica prioritária e fundamental: identificar os textos que são indisputavelmente da autoria de Camões, os textos que são provavelmente da autoria de Camões e os textos que são apócrifa ou erroneamente atribuídos a Camões; saber qual a lição autêntica, na medida das possibilidades, do corpus lírico camoniano. Esta operação filológica deve preceder toda a operação hermenêutica, pois que só conduzirá a desvios e transvios de interpretação uma leitura da lírica de Camões que não se orientar por critérios filologicamente rigorosos. A partir da letra dos textos segura e utenticamente camonianos, o historiador litera o crítico, o hermeneuta podem construir as suas interpretações da obra poética de Camões, segundo modelos hermenêuticos plurais que devem satisfazer três exigências: coerência, adequação e capacidade de compreensão e de explicação de cada texto e da obra globalmente considerada.

Tendo iniciado, no ano já distante de 1965, uma aventura sortílega no mundo labiríntico dos cancioneiros manuscritos hispânicos dos séculos XVI e XVII - aventura indispensável para a elaboração da minha dissertação de doutoramento intitulada Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa (1971) - , adquiri desde então uma consciência muito clara da relevância daquela operação filológica. Só lamento que outros trabalhos e amores universitários, no domínio da Teoria da Literatura, me não tenham consentido prosseguir, em bibliotecas portuguesas e espanholas sobretudo, essa aventura e essa indagação, pois que há ainda nas páginas esquecidas dos cancioneiros manuscritos muitas ilhas por descobrir.